domingo, 27 de março de 2011

A alma e o humor de Adoniran e Vanzolini

Adoniran Barbosa e Paulo Vanzolini, em ilustração de Elifas Andreato (Abril-Press)
Adoniran Barbosa e Paulo Vanzolini tinham muitas coisas em comum. Ambos eram paulistas, sambistas, cumpridores dos seus deveres profissionais, e adoravam a boemia, uma boa conversa com os amigos nos botecos de São Paulo. Os dois buscaram suas inspirações nas ruas, no cotidiano da cidade. Fizeram letras e músicas bem-humoradas, mas tinham um temperamento casmurro e certa frieza no relacionamento com as pessoas.
Ambos mostraram, com muito talento, quanto a cidade grande separa os homens. Adoniran, em Saudosa Maloca, fala da destruição, em nome do progresso, do cantinho onde ele, Mato Grosso e o Joca moravam. Em Ronda, Vanzolini narra o périplo de uma mulher pela cidade em busca do seu amor. Não encontra, mas não perde a esperança de encontrá-lo, aí, então, vai dar na primeira edição: “Cena de sangue no bar da Avenida São João”.
Os dois eram amigos, velhos companheiros de música e boemia. Conheciam a alma humana em profundidade, e souberam relatar o drama das pessoas, dos relacionamentos, com extrema simplicidade, o que exige, antes e acima de tudo, talento.
Adoniran dizia de Paulo Vanzolini, que era zoólogo (veja matéria abaixo), que não entendia de samba: “ele entende, mesmo, é de sapo”. O sambista-cientista fez um belo samba em que brinca com os nomes de Adoniran. Conta para o Seu Barbosa, que era o sobrenome do pseudônimo adotado por Adoniran, um fato que teria ocorrido com um "cidadão por nome de Rubinato”, que era o sobrenome de João Rubinato, nome de batismo de Adoniran.
Na letra, Vanzolini faz rimas no estilo Adoniran, como, por exemplo, “só uma hora dali, eu e Marli”. Também capricha nos erros de português e nas palavras pronunciadas no estilo povão.
Paulo Vanzolini vive em São Paulo e completará 87 anos no dia 25 de abril. Adoniran nos deixou com muitas saudades. Para matar um pouco delas, acompanhem o vídeo abaixo, gravado por uma dupla muito interessante, chamada Goiabada com Queijo, na Feira do Livro de Ribeirão Preto, em 2009.



Seu Barbosa
Composição : Paulo Vanzolini

Ô, Seu Barbosa, nóis era dois casado certo
Morando num bairro longe, mas passando ônibus perto
Uma vista tão linda, de cima do nosso morro
E as crianças precisando de um pronto-socorro - só uma hora dali
Eu e Marli, vivia satisfeito
O que fizeram com nóis, seu Barbosa, não está direito
O pivô do enguiço foi um gato
Pertencente a cidadão, por nome de Rubinato
O miau sumiu, ele botou o dedo ni mim
Só porque me viu, encourando um tamborim
Foi na delegacia, se acertou com o escrivão
Já no outro dia recebi intimação
Mas eu vou lá, quem não deve não dá bola
Eu provo que o tamborim eu fiz com o gato da espanhola
Seu Rubinato, vou lhe dar um bom conselho:
Você arranja outro gato e a Marli lhe ensina a fazer coelho.


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