segunda-feira, 13 de junho de 2011

Fernando Pessoa, 123 anos, e a arte de ser eterno

Fernando Pessoa é eterno. Assim como são eternos seus principais heterônimos: Álvaro de Campos, Ricardo Reis e Alberto Caeiro. Um dos maiores poetas da literatura universal, de todos os tempos, Fernando António Nogueira Pessoa deixou uma vasta obra de poemas, livros e anotações em várias línguas. Se estivesse vivo, faria hoje 123 anos de idade. Mas sua obra continua a deliciar a humanidade, bem viva, mesmo após ter morrido, em 1935, com apenas 47 anos de idade, vítima de uma cirrose hepática.
A eternidade pela arte é a única que vale a pena. Os poetas existem porque não somos eternos. Para que a vida não seja apenas sobrevivência, precisamos sonhar. E o sonho é a inspiração maior dos artistas. Pessoa foi um eterno sonhador e suas poesias falam amiúde dessa arte de sonhar.
Para que possamos homenagear esse extraordinário artista, neste 13 de junho, vamos ler essa bela poesia e ouvir um Fado de Pessoa, música e letra de João Pedro Pais, na voz de Ana Moura.
Depois, podemos dormir em paz e sonhar bastante.


O ANDAIME
Fernando Pessoa

O tempo que eu hei sonhado
Quantos anos foi de vida!
Ah, quanto do meu passado
Foi só a vida mentida
De um futuro imaginado!

Aqui à beira do rio
Sossego sem ter razão.
Este seu correr vazio
Figura, anônimo e frio,
A vida vivida em vão.

A 'sp'rança que pouco alcança!
Que desejo vale o ensejo?
E uma bola de criança
Sobe mais que minha 's'prança,
Rola mais que o meu desejo.

Ondas do rio, tão leves
Que não sois ondas sequer,
Horas, dias, anos, breves
Passam - verduras ou neves
Que o mesmo sol faz morrer.

Gastei tudo que não tinha.
Sou mais velho do que sou.
A ilusão, que me mantinha,
Só no palco era rainha:
Despiu-se, e o reino acabou.

Leve som das águas lentas,
Gulosas da margem ida,
Que lembranças sonolentas
De esperanças nevoentas!
Que sonhos o sonho e a vida!

Que fiz de mim? Encontrei-me
Quando estava já perdido.
Impaciente deixei-me
Como a um louco que teime
No que lhe foi desmentido.

Som morto das águas mansas
Que correm por ter que ser,
Leva não só lembranças -
Mortas, porque hão de morrer.

Sou já o morto futuro.
Só um sonho me liga a mim -
O sonho atrasado e obscuro
Do que eu devera ser - muro
Do meu deserto jardim.

Ondas passadas, levai-me
Para o alvido do mar!
Ao que não serei legai-me,
Que cerquei com um andaime
A casa por fabricar





Fado De Pessoa

Ana Moura

Composição : João Pedro Pais
Um fado pessoano
Num bairro de Lisboa
Um poema lusitano
No dizer de Camões
Uma gaivota em terra
Um sujeito predicado
Um porto esquecido
Um barco ancorado
Leva-as o vento
Meras palavras
Guarda no peito
A ingenuidade
Figura de estilo
Tua voz na proa
De um verso já gasto
No olhar de Pessoa
Uma frase perfeita
E um beijo prolongado
Uma porta aberta
Traz odor a pecado
Uma guitarra com garra
Ouvida entre os umbrais
Numa cidade garrida com vista para o cais
Leva-as o vento
Meras palavras
Guarda no peito
A ingenuidade
Figura de estilo
Tua voz na proa
De um verso já gasto
No olhar de Pessoa
Leva-as o vento...


Um comentário:

  1. Na minha opinião, ele é o maior poeta que já teve sua sombra projetada no chão deste mundo. Tanto o sonhar como uma simultânea desilusão com o futuro, tanto a contemporaneidade quanto o classicismo, tanto a poesia livre quanto a metrificada, tanto a epopeia quanto o lirismo, tanto a filosofia quanto a recusa à filosofia, tudo habita na obra deste que é um dos meus grandes ídolos.

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