quarta-feira, 25 de abril de 2018

Dia do Engraxate, uma profissão que também é arte


Infância no interior era uma delícia. Naqueles idos dos anos 1960/1970, na pequena Uruaçu, onde para se chegar da capital do estado precisaria percorrer pelo menos 240 quilômetros de estrada de terra, então, era como viver distante de todas as novidades e modernidades, inclusive a televisão. O charme era ser bom de bola, um artista na arte de atirar o pião, o bilboquê, a finca, bolinha de gude, empinar pipa e saber nadar para não morrer afogado nos córregos e rios que naqueles tempos ainda tinham água.
Lembrei-me deste cenário porque esta sexta-feira (27/04) é o Dia do Engraxate. E eu fui um deles naquelas ruas e avenidas de Uruaçu, carregando uma caixa nas costas e anunciando “vai graxa” a um bom número de interessados. Na Europa, do pós-guerra, a profissão de engraxate já entrara em decadência. Mas, no interior do Brasil, estava em plena efervescência. E a nossa turma disputava mercado, espaço e discutíamos preço de uma engraxada como se fôssemos adultos.


Meu avô Antônio Pereira Camapum, vovô Toinho, foi quem me estimulou a começar cedo a trabalhar, exercer alguma atividade capaz de engradecer e formar o cidadão. Vendi pirulito enrolado no palito, laranja, e ele abriu uma caderneta para anotar os créditos. Mas, o que eu gostava mesmo era de engraxar. Estar na rua, no convívio com os moleques e ouvir causos e histórias dos adultos.
Fácil perceber como a profissão de engraxate foi sumindo e hoje quase não existe mais. Meu filho Ramiro Barroso, quando tinha seus dez anos, mais ou menos, estava indo com a mãe dele, minha mulher Stela, para a escola – na época, o INEI da L2 Sul de Brasília. De repente, cruzaram com um engraxate na calçada, com sua caixa de madeira nas costas, enorme. E ele gritou, cheio de entusiasmo:
- Mãe! Que fera a mochila daquele moleque! Você viu?
Em outras palavras, o garoto filho de um engraxate, não sabia, na década de 1990, o que era uma caixa de engraxar, ao ponto de confundi-la com uma mochila. Sinal dos tempos.

Joaquim formou em Direito engraxando em Goiânia (Foto Adriano Zago - G1)
Uma amostra de que a profissão de engraxate ainda existe e resiste a ajudar pessoas na arte de sobreviver, descobri, alguns anos atrás, ao ler uma matéria do G1 que contava a história de Joaquim Pereira, um rapaz de 24 anos, que formou em Direito, numa faculdade particular, custeando os estudos com o trabalho de engraxate.
Outro alento, foi conhecer o Anderson Almeida, na Câmara Legislativa do Distrito Federal, que ganhava a vida e cresceu profissionalmente, sustentando-se e à sua família com o trabalho de engraxate. Atendia bem não só aos ilustres deputados e deputadas, mas a todos os empregados e visitantes. Anderson, graças à invenção das redes sociais, hoje é meu amigo aqui no Facebook.
É... amigos e amigas, a profissão de engraxar enfrenta o risco de extinção, mas ainda mostra o ar da graça por esse Brasil imenso. Profissão essa que é arte e tem suas raízes na cultura da sobrevivência do povo mais simples.
Parabéns! E viva os engraxates, sempre.

Engraxate
José Carlos Camapum Barroso

Engraxate que bate
Na caixa fora do ritmo
Não faz nem pro gasto...
Se o pano não repica,
Jamais sairá o brilho
Que o sapato do fulano
Merece e reivindica.

Se o “vai graxa, aí”
Sai desafinado, então
O coro do esculacho
Vem a uma só voz
Desisti-lo da profissão.

Engraxar é uma arte
Que exige dedicação,
Compasso na hora
Que bate na madeira,
Leveza quando a mão
Acaricia o legítimo
Couro da burguesia.

Suor de engraxate
Escorre pelo rosto
Se mistura à graxa
Pelo pescoço e mão
Até ser tragado pela
Grandeza do coração.

Engraxar é uma arte
Não morre na profissão.

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